Apesar de gostar muito de cinema, não sou, de todo uma cinéfila, até porque sou daquelas pessoas que quase que escolho os filmes pela cor. Se têm cores acastanhadas, normalmente é um bom filme. Não gosto de filmes de acção nem dos de histórias lamechas. Gosto dos filmes que relatam histórias verídicas, de bons romances com princípio meio e fim e também daqueles que nos transmitem os bons valores da amizade, lealdade, honra.
Também não escolho os filmes pelos realizadores pois faço ao contrário, escolho os realizadores pelos filmes. Por isso, e porque tenho os meus filmes favoritos, tenho igualmente os meus realizadores de predição.
Deambulando nestes meus pensamentos e saltitando de realizador em realizador, acabei por me lembrar de uma ocasião em que a C me entrou pela casa dentro com um DVD que havia comprado para eu ver o filme. Tratava-se de uma película que tinha assistido na faculdade, na cadeira de “ética”.
Ao ver o meu ar de desconsolo por me ver obrigada a ver um filme que, por uma questão de delicadeza, não me poderia recusar ver disse-me:
- Conhecendo-te como te conheço, sei que vais gostar.
E pronto, lá me sentei, um pouco contrafeita, pensando que, de facto, ela não me conhecia tão bem como estava certa de conhecer.
O filme que fui “obrigada a ver” foi este:
Compreendem agora o meu cepticismo???
Porém, o filme revelou-me uma história maravilhosa, de um mundo e sociedade que eu mal conhecia, com personagens cativantes e com uma banda sonora linda, linda. Conto de seguida e claro que, resumidamente, a história:
SHOWER - CHUVEIRO - 洗澡 - (cujo título original é XIZAO) conta a história de um pai e dos seus dois filhos. Após o filho mais velho ter partido em busca de fortuna, o pai e o mais novo, deficiente mental, permanecem em Pequim continuando ligados ao seu trabalho de mestre de banhos públicos. Convencido da morte do pai, o filho mais velho regressa a casa para descobrir a magia da casa de banhos públicos e a importância desta na comunidade.
Escondida, esta casa funciona para os homens mais velhos como uma casa-fora-de-casa, em que os dias são passados a beber chá e a jogar. Rodeado pelos clientes de longa data e absorvido pela cultura dos "chuveiros", o filho mais velho vê-se forçado a assumir responsabilidades familiares e a lidar com os problemas da modernização e o que isso reflecte na sua vida...
SHOWER - CHUVEIRO começa com uma espantosa fantasia de um chuveiro automático feita a partir de uma casa de lavagem automática de carros. Depois leva-nos a visitar o significado dos banhos públicos tradicionais. A sua antiguidade, cultura, convenções e regras. A clausura de um pai na manutenção dos costumes leva um filho a repensar o papel da modernidade e ao que ela pode levar...
SHOWER - CHUVEIRO examina o estado corrente da cultura chinesa onde as tradições estão a ser abandonadas pelo mundo moderno.
Investiguei a vida e obra do realizador, já vi outros filmes seus e gostei de qualquer deles.
Por isso foi este senhor, ainda quase desconhecido no mundo ocidental, que decidi convidar para minha mesa.
Pouco falámos. Aliás, nada falámos pois eu não sei falar chinês, único idioma que ele domina. Trouxe uma interprete que falava inglês, e foi através dela que nos entendemos.
Decidi oferecer-lhe um prato simples mas bom, tão simples como ele e tão bom como a sua obra.
Fiz-lhe então Ervilhas Frescas com Tau fu e Cogumelos, Aromatizado com Hortelã da Ribeira.
Assim, dei-lhe a conhecer um pouco dos nossos sabores mediterrânicos, sem fugir muito à cultura gastronómica do seu país, onde muito apreciam e consomem tau fu. Para além disso, como vegetariano que é, agradeceu-me o cuidado e atenção que lhe dispensei por ter respeitado esse princípio.
Levantou várias vezes o olhar do prato, para me transmitir o se ar de agrado e de agradecimento pelo prato qe lhe servi, bem como a minha hospitalidade. Bebeu Chong Chá que foi preparado com os botões de chá em vez de folhas. Literalmente "chá quente" é um chá de verão usado na China para combater o calor de verão. À sobremesa servi-lhe um pudim flã, feito pela receita da Dorie Greenspan, que eu havia acabado de fazer.
Percebi que partiu muito agradado até por que à despedida me ofereceu um CD autografado por si, da música Sole Mio. Quem viu o filme Shower,percebe a razão desta oferta. Fêz uma vénia e exclamou com um sorriso:
- 始终保持和感谢. ( obrigado e até sempre)
Gostei muito desta honrosa visita e percebi que tive o privilégio de conhecer um grande senhor. Porque, afinal, não é só na terra do tio Sam que se faz bom cinema.
Reproduzo de seguida, sucintamente, o que a sua secretária e intérprete me deu a saber acerca da vida do meu convidado, enquanto jantávamos:
Jia Zhang-Ke, realizador, nasceu em 1970, na cidade de Fenyang, província de Shanxi.
O seu avô exerceu actividade como médico, tendo emigrado para a Europa.
Em consequência disso, a sua família foi enviada para Fenyang, pequena cidade rural de uma das mais pobres províncias do interior. A sua terra natal é o cenário natural escolhido para muitos dos seus filmes.
Os temas preferidos de Jia remetem-nos para as grandes mudanças operadas na paisagem social da China.
Descreve-se a si próprio como "um realizador oriundo das classes mais baixas da sociedade". Um contraste com a maioria dos realizadores da 6" Geração, oriundos de famnias influentes das grandes cidades, tendo estudado em escolas reservadas para as elites.
Enquanto adolescente foi membro de uma troupe de dançarinos que animava sessões de breal«lance.
Depois de completar os estudos secundários, Jia juntou algumas economias, escrevendo pequenas histórias e pintando painéis publicitários, como artesão migrante, na capital provincial, Taiyuan. Suportou os seus estudos na Beijing Film Academy, como aluno supranumerário.
Por conhecer bem a situação dos trabalhadores migrantes elegeu essa condição social para tema base das suas obras, procurando tratar o cinema como uma ferramenta de comunicação ao serviço do cidadão anónimo e não para as elites intelectuais.
The World (O Mundo, 2004) foi a sua primeira obra a conhecer exibição comercial nas salas de cinema chinesas .
E agora, passo-vos a receita do prato que lhe preparei. Quanto à receita da sobremesa, bem, essa, só na próxima sexta feira vos poderei revelar.
O que preparar:
- 1 Kg de ervilhas em vagem.
- 0,5 dl de azeite;
- 1 placa de tau fu;
- 100g de cogumelos frescos;
- 1 llata de tomate pelado e picado;
- 0,5dl de vinho branco;
- 1 cebola;
- 2 dentes de alho;
- 1 haste de hortelã da ribeira;
- Sal e pimenta a gosto.
Como preparar:
Retirar as ervilhas da vagem e reservar. Picar bem a cebola, os dentes de alho e levar ao lume a estalar. Juntar o tau fu, saltear durante 3’ e juntar de seguida os cogumelos partidos em quartos. Deixar saltear mais um pouco, e temperar de pimenta acabada de moer. Refrescar com o vinho branco e deixar fervilhar até este evaporar. Juntar o tomate, mexer, e juntar de seguida as ervilhas e a hortelã.
Deixar cozer em lume brando, com o tacho tapado, até as ervilhas estarem macias.
Servir quente.
A textura das ervilhas frescas coadjuvada com o excelente sabor que a hortelã da ribeira confere, torna este prato muito apaladado. Gostei muito e fiquei satisfeita pois foi um prato totalmente criado por mim.
Espero que seja do vosso agrado como foi do agrado do meu convidado.
Mãos à obra.
E com esta minha experiência venho participar na 4ªa edição do Convidei para Jantar, desafio criado e lançado originalmente pela Ana e cuja anfitriã deste mês é a Pam no seu fantástico espaço Menú Verde.