Eu, que sou tao apreciadora de cha e que, ainda ha tao pouco tempo fiz marmelade, a real convidada a quem as minhas reverencias tinham de se dirigir teria de ser, sem sombra de duvida, D. Catarina de Braganca.
A felicidade da sua visita aconteceu no dia de Todos os Santos no ano da graca de 2011.
Quem e sensato , nao da conta a ninguem dos seus assuntos; porem, eu sou tudo menos sensata, e por isso fui vitima de sarcasmos e zombarias. Ninguem, no seu prefeito juizo se lembraria de ousar sequer convidar a sua modesta casa um rainha, mesmo que consorte.
Mas eu acredito que quando uma pessoamete na cabeca levar a cabo um qualquer projecto e nao se ocupa senao desse assunto, havera de conseguir realiza-lo, sejam quais forem as dificuldades.
Uma hora depois de soar as 15h00, ouvi o ranger dos ferrolhos. Vestida a rigor, com a minha casa preparada para tamanho acontecimento, dirigi-me eu propria a porta de entrada para receber sua Alteza Real.
Uma pessoa tranquila, que depois de ter esbocado um sorriso doce e delicado, me perguntou se me poderia considerar amiga ao que eu acedi, claro, de bom grado.
Sentamo-nos assim, como amigas de longa data, a tomar um cha, a depenicar pao torrado com marmelade e um bolinho delicioso que preparei para a ocasiao ( nao me ocorreu fazer mais nada).
Apos seis horas de conversas trocadas, fiquei a saber um pouco da sua historia. Transcrevo infra, parte dessa historia pois ficou ainda muito, mas muito por contar.
D. Catarina Henriqueta de Braganca, filha de D. Joao IV e D. Luisa de Gusmao, foi Ifanta de Portugal, depois Princesa da Beira e, mais tarde, por ter desposado o Rei D. Carlos II da casa Stuart, foi a Rainha consorte de Inglaterra e Escocia.
D. Catarina não foi uma rainha popular na Inglaterra por ser católica, o que a impediu de ser coroada. Sem posteridade, deixou pelo menos à Inglaterra a geleia de laranja, o hábito de beber chá, além de lá ter introduzido o uso dos talheres e do tabaco. A sua responsabilidade pela introdução do chá é disputada já que já no ano de 1657, Thomas Garraway o vendia na sua loja de café em Londres na Exchange Alley. Isto aconteceu num período em que a East India Company o estava a vender abaixo dos preços dos Holandeses e o anunciava como uma panaceia para a apoplexia, catarro, cólica, tuberculose, tonturas, epilepsia, pedra, letargia, enxaquecas, parálise e vertigem. O hábito de beber chá já existiria, D. Catarina apenas o transformou na "instituição" que hoje conhecemos por "five o'clock tea".
Sem dúvida que o primeiro chá bebido na corte inglesa por D. Catarina de Bragança lhe terá sido enviado de Lisboa vindo da China via Macau, primeiro entreposto comercial entre o Ocidente e o Oriente (desde 1557). Ela não o levou na sua bagagem como aparece escrito em todo o lado, erradamente.
Sobre a história do chá uma das primeiras referências encontra-se na obra de Giani Battista Ramusio em Delle Navigationi et Viaggi, 1559 e segundo as enciclopédias britânicas, o chá terá sido introduzido em Inglaterra em 1579 por Christopher Borough depois de uma expedição à Pérsia, mas só se generalizou por volta de 1660.
Porque é importante saber a história verdadeira da introdução do chá na corte britânica, procurei textos que provam que o chá começou a ser bebido, naquela ilha, nas camadas baixas da sociedade, não na camada mais pobre, mas sim por homens e mulheres vendedores de produtos alimentares e outros que se levantavam de madrugada para abastecer a grande cidade. Na ausência de alimentos, bebiam chá, que não passava de água quente, preparada, sem grande cuidado com umas folhas de má qualidade de chá, ou moído, para enganar a fome.
A palavra chá entrou na língua portuguesa através «da forma fonética da língua mandarínica e do dialecto de Cantão e passou a várias línguas como o espanhol (arcaico), o grego e línguas eslavas. A palavra «tê» do dialecto Amoy e de Fun-Kien foi adoptado pelas línguas espanhola, francesa, inglesa, alemã e grego moderno (tem as duas formas)». É curioso notar, que ainda hoje, nas camadas populares de certas regiões da Grã Bretanha se diz «tchá», como em Liverpool.
A rainha Catarina terá ensinado a preparar o chá e a bebê-lo acompanhado de bolos. E passou a ser preparado em bules de porcelana. Pensa-se que a princesa portuguesa, ou alguma dama da sua comitiva, terá levado para a corte inglesa a receita do doce de laranja, preparado na zona de Vila Viçosa, onde este fruto abunda. A verdade é que o termo «marmalade» é a palavra portuguesa «marmelada», que é confeccionada com marmelo, fruto que não era conhecido em Inglaterra. A «marmalade» inglesa é doce de laranja. A «marmelada» portuguesa entrou em Inglaterra em 1495 «In fact, marmalade did first arrive thus in England from Portugal and before long also from Spain and Italy, where the Portuguese term for the confection was like wise (sic.) adopted». Quanto ao chá eram principalmente os ingleses e holandeses que o comerciavam na Europa.
Quando a rainha, embora dócil e serena, «perdia a paciência» com as favoritas do marido, ia para o palácio de Somerset-House, onde passeava muito a pé e fazia por esquecer os desgostos. Estava perto do rio e da capela e essa solidão acalmava-a. Uma das actividades a que D. Catarina de Bragança deu particular atenção foi exercitar-se no tiro ao alvo e viria a ser nomeada protectora da Corporação dos Archeiros de Londres.
A impressao que esta senhora me causou e inacreditavel.Por mais que faca por isso, a sua bondade, gentileza, candura e simpatia nao me saem da cabeca. Ainda hoje, nos meus momentos de ocio, passo em revista, mentalmente, todos os minutos que passamos juntas naquele que foi um verdadeiro "five o'clock tea". Foi o que fiz hoje e que decidi partilhar convosco.